Cada criança é um universo único de possibilidades, quando falamos de crianças dentro do espectro autista, essa singularidade se torna ainda mais evidente, cada pequeno tem seu próprio ritmo, suas preferências sensoriais, atividades e sua maneira especial de se comunicar com o mundo. Como mães, pais e cuidadores, nossa missão é descobrir quais caminhos nos conectam melhor com nossos pequenos, oferecendo estímulos que respeitem suas particularidades enquanto incentivam seu desenvolvimento.
Entendendo o jeito único de brincar
Antes de mergulharmos nas sugestões de atividades, vamos lembrar algo importante: não existe uma fórmula mágica que funcione para todas as crianças autistas. O espectro é imenso, e o que encanta uma criança pode sobrecarregar outra. A chave está na observação carinhosa: perceber o que traz conforto, o que desperta interesse e, principalmente, respeitar os limites de processamento sensorial de cada pequeno.
A brincadeira não é apenas diversão: é a linguagem natural das crianças, é como elas aprendem sobre si mesmas e sobre o mundo ao redor. Mas, para crianças autistas, brincar de forma estruturada pode ser uma ponte preciosa para o desenvolvimento de habilidades sociais, comunicativas e motoras.
De acordo com o Ministério da Saúde, a intervenção precoce por meio de atividades lúdicas e terapêuticas adaptadas às necessidades específicas de cada criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é fundamental para promover o desenvolvimento de habilidades sociais, comunicativas e sensoriais. O estímulo adequado, respeitando as particularidades de cada indivíduo dentro do espectro, pode proporcionar ganhos significativos na qualidade de vida e na autonomia destas crianças.
Atividades sensoriais: explorando texturas e sensações
As experiências sensoriais são fundamentais para qualquer criança, mas para aquelas dentro do espectro, podem ser especialmente transformadoras. Aqui vão algumas ideias:
Caixa sensorial temática
Crie caixas sensoriais com temas que interessam seu pequeno. Se ele adora dinossauros, prepare uma caixa com areia, pedrinhas e miniaturas de dinossauros escondidas, mas se prefere o universo marinho, experimente com água colorida (com corante alimentício), conchinhas e peixinhos de plástico.
A dica é observar como sua criança reage a diferentes texturas. Algumas adoram sensações granuladas como arroz ou feijão seco, outras preferem texturas mais macias como algodão ou espuma. Respeite sempre os sinais de desconforto e celebre cada nova textura aceita.
Pintura com os dedos adaptada
Para crianças que são sensíveis ao toque direto de substâncias como tinta, uma adaptação criativa é colocar tinta guache dentro de sacos plásticos bem fechados. Fixe-os na mesa com fita adesiva e deixe seu pequeno explorar, fazendo desenhos com os dedos sobre o plástico, sentindo a textura e resistência sem o contato direto.
Outra opção é a pintura com espuma de barbear misturada com corante alimentício sobre uma bandeja. É uma sensação completamente diferente e pode ser uma forma gradual de introduzir novas texturas.
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Atividades para desenvolvimento motor
Circuito sensorial em casa
Crie um pequeno circuito em casa utilizando o que você tem disponível. Almofadas para pular, faixas coloridas no chão para equilibrar-se, túneis feitos com lençóis esticados entre móveis para atravessar, pois cada estação pode oferecer um desafio motor diferente.
O segredo aqui é começar com poucos elementos e ir ampliando conforme a aceitação da criança. Algumas podem se sentir sobrecarregadas com muitos estímulos de uma vez. Celebre cada pequena conquista – atravessar o túnel pode ser um grande desafio para algumas crianças, e merece toda comemoração!
Atividades com com bolas de diferentes tamanhos
Bolas grandes (tipo pilates) são excelentes para trabalhar equilíbrio e consciência corporal. Seu pequeno pode se deitar de barriga para baixo sobre a bola enquanto você a movimenta suavemente, ou sentar-se enquanto você segura suas mãos, trabalhando equilíbrio.
Já as bolas menores são ótimas para jogos de arremesso, rolar pelo chão ou mesmo para massagens suaves pelo corpo, estimulando diferentes pontos sensoriais.
Atividades para comunicação e interação
Mesmo que sua criança não mantenha contato visual constante, jogos de revezamento simples ajudam a construir a noção de interação. Pode ser empilhar blocos (cada um coloca um bloco por vez), rolar carrinhos de um para o outro ou mesmo estourar bolhas de sabão (um assopra, o outro estoura).
O importante não é seguir regras rígidas, mas criar momentos de conexão, respeitando o tempo da criança para processar e responder.
Contação de histórias sensorial
Transforme a leitura em uma experiência multissensorial. Se a história fala sobre o mar, tenha uma conchinha para a criança tocar. Se menciona vento, tenha um pequeno ventilador ou abanador para reproduzir a sensação. Para crianças que ainda não acompanham narrativas longas, histórias simples com repetições previsíveis funcionam melhor.
Livros com texturas, abas para abrir ou sons também são excelentes opções. Se perceber que a criança se interessa por uma página específica, não tenha pressa de virar – permita que ela explore pelo tempo que desejar.
Atividades para processamento visual e atenção
Busca ao tesouro com imagens de interesse
Prepare cartões com imagens de objetos que a criança goste e espalhe esses objetos pela casa em locais visíveis. Entregue um cartão por vez e ajude-a a encontrar o item correspondente. Essa atividade trabalha associação visual, atenção conjunta e pode ser uma forma divertida de expandir o vocabulário.
Para crianças que estão desenvolvendo a linguagem, nomeie claramente cada objeto encontrado, comemorando cada descoberta.
Brincadeiras com lanterna no escuro
Em um quarto levemente escurecido, utilize lanternas para criar efeitos visuais. Coloque nas paredes figuras de interesse da criança e use a lanterna para “encontrá-las”. Você pode usar papéis celofane coloridos na frente da lanterna para criar feixes de diferentes cores.
Essa atividade é especialmente interessante para crianças que têm fascínio por efeitos visuais e pode ser uma forma gentil de trabalhar o foco de atenção.
Atividades musicais e rítmicas
Atividades com instrumentos caseiros adaptados
Crie instrumentos adaptados às sensibilidades sonoras da sua criança. Tambores feitos com potes plásticos podem ter tecido esticado sobre a abertura para um som mais suave. Garrafas com diferentes níveis de água criam xilofones improvisados. Chocalhos podem ser feitos com diversos materiais dentro para explorar diferentes sons.
A dica de ouro: permita que a criança controle a intensidade do som, respeitando seu processamento auditivo.
Dança com lenços coloridos
Lenços coloridos e leves trazem um elemento visual ao movimento e à música. Dance ao som de músicas calmas, movimentando os lenços no ar. Observe se sua criança prefere músicas com ritmos marcados ou melodias mais fluidas.
Essa atividade não precisa ter coreografia, mas o importante é o movimento livre e a conexão com o ritmo, cada um no seu próprio tempo.
Respeitando limites e celebrando pequenas vitórias
Um lembrete importante: para crianças autistas, o processamento sensorial pode ser exaustivo. Esteja atento aos sinais de sobrecarga, pois quando a criança começa a se agitar, desviar o olhar insistentemente, cobrir os ouvidos ou buscar isolamento. Esses são indicativos de que é hora de uma pausa, de um momento calmo em um espaço seguro e previsível.
Cada nova textura explorada, cada minuto a mais de interação, cada nova brincadeira aceita é uma grande conquista. Celebre esses momentos com genuína alegria, mas sem exageros sensoriais que possam sobrecarregar.
Construindo pontes através da brincadeira
A jornada com uma criança autista é feita de descobertas diárias, é sobre ela, sobre você, sobre formas únicas de se conectar. As brincadeiras não são apenas ferramentas terapêuticas, são pontes de amor, compreensão e aceitação.
Lembre-se sempre: você conhece seu filho melhor que ninguém. Confie na sua intuição ao adaptar as atividades, respeitando o perfil sensorial único da sua criança. Algumas vão preferir atividades calmas e previsíveis, outras podem buscar mais estímulos e movimento. Não há certo ou errado, mas há o caminho que funciona para vocês.
E nos dias em que parecer que nada funciona, que as pontes parecem distantes, respire fundo e lembre-se: amanhã é um novo dia, com novas possibilidades de conexão. A constância do seu amor e aceitação é o maior estímulo que você pode oferecer.